Uma pesquisa produzida em 2021, em meio às comemorações dos 20 anos da Wikipédia em língua portuguesa, mostrou que apenas cerca de 11% das pessoas que editam a Wikipédia se identificam como mulheres. Menos de 2% assinalaram “outro” como identidade de gênero.[1] Essa representatividade restrita contribui para o viés de gênero que marca a plataforma, causando e reproduzindo silenciamentos e distorções. Por exemplo: de um total de 265.764 biografias disponíveis na Wikipédia em português, apenas cerca de 20% são sobre mulheres.[2] As assimetrias não se restringem aos aspectos quantitativos: as mulheres têm que ser, em média, “mais notáveis” que os homens para contarem com verbetes na Wikipédia – sugerindo a existência de um “teto de vidro” que impacta trajetórias femininas. Biografias de mulheres tendem a apresentar mais referências a aspectos da vida pessoal e a relacionamentos, bem como a ser mais frágeis em termos de metadados e hyperlinks.[3]
Esse cenário é ainda mais preocupante quando tratamos de intelectuais, grupo social cuja história é frequentemente contada exclusivamente no masculino.[4] Muitas vezes associadas à emoção e não à razão, ao ambiente doméstico e não ao debate público, as mulheres têm dificuldade em encontrar reconhecimento para seus trabalhos e garantir que eles sejam lembrados na posteridade. Mulheres trans e não binárias enfrentam barreiras por vezes intransponíveis no acesso à educação formal, sobretudo na universidade.
Procurando intervir sobre esse cenário, o evento Mais Mulheres em Teoria da História na Wiki coincidirá com o Dia do Intelectual, comemorado em 21 de junho. Nesta edição, acrescentamos a áreas que já vinham sendo contempladas em anos anteriores, como a História, a Filosofia e a Antropologia, um olhar para o Direito, campo do conhecimento em que as desigualdades de gênero são profundas.[5] A valorização de trajetórias de mulheres juristas guarda um grande potencial de transformação social, seja pelo impacto de conceitos jurídicos em políticas públicas, seja pelos laços entre os ambientes jurídicos e as elites sociais e políticas, seja pelo papel que as Faculdades de Direito historicamente tiveram na conformação de outros saberes.
A partir dessas preocupações, a edição de 2024 do Mais Mulheres decidiu homenagear três intelectuais cujas trajetórias consideramos inspiradoras. Na ordem em que elas aparecem no banner no alto desta página, nossas homenageadas são: Nize Isabel de Moraes (1938-2015), historiadora brasileira que se radicou no Senegal e desenvolveu pesquisas sobre a história do continente africano;[6] Almerinda Farias Gama (1899-1999), advogada feminista que presidiu o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e atuou na Assembleia Constituinte de 1933-1934; e Marcia Barbosa Mansor d’Alessio (1947-2020), historiadora que se doutorou na França e se tornou referência nos estudos de Teoria da História e Historiografia no Brasil.[7]
Em 2023, a Wikipédia foi um dos dez sites mais visitados em todo o planeta. Como a maior e mais utilizada enciclopédia digital e colaborativa do mundo, a plataforma é um espaço de grande visibilidade, que impacta diretamente percepções sobre os mais variados assuntos. Alinhando-se a uma série de iniciativas que vêm buscando reduzir as disparidades de gênero na Wikipédia, o evento Mais Mulheres procura visibilizar conhecimentos dissidentes e ampliar nossas concepções sobre quem pode ser considerado intelectual e quais estudos merecem chegar ao conhecimento de públicos amplos.
Todas as atividades deste evento são gratuitas e conferem certificado de extensão emitido pela Universidade Federal de Minas Gerais. É obrigatório possuir uma conta nos projetos Wikimedia para realizar a inscrição, que deve ser informado em campo próprio. Caso ainda não possua, crie uma em menos de um minuto aqui. As edições serão monitoradas e contabilizadas através da ferramenta Programs & Events Dashboard para fins de avaliação do evento.
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Atividades
Maratona de edição presencial No dia 13 de junho, em Belo Horizonte Saiba mais | Webinar No dia 18 de junho, às 18h30 Saiba mais | Oficinas online síncrona Entre os dia 22 a 30 de junho Saiba mais | Concurso de edição online Entre os dias 27 de junho e 25 de julho Saiba mais |
Conheça outras iniciativas
Art+feminism: comunidade internacional que se esforça para fechar a lacuna de informação sobre gênero, feminismo e artes na internet.
Les sans pagEs: projeto em francês com foco na redução de preconceitos de gênero.
NaPupila: campanha que busca a análise dos movimentos feministas por intermédio de uma revisão da história da arte.
Whose Knowledge?: campanha global que centraliza o conhecimento de comunidades marginalizadas online, inclusive em projetos Wikimedia.
WikiDonne: grupo de usuários em italiano que atua em questões relacionadas às mulheres e à diversidade dentro do movimento wiki.
Wiki Editoras LX: grupo aberto e informal de editoras da Wikipédia em português.
WikiMulheres+: grupo transnacional de usuárias lusófonas das plataformas Wikimedia, que atuam na promoção da diversidade cultural e equidade do conhecimento nos projetos e movimentos wikimedistas.
Women in Red: Projeto internacional dedicado à diminuição da lacuna e do viés de género na Wikipédia.
Notas
- «Perfil dos Editores da Wikipédia em Língua Portuguesa» (PDF)
- Dados obtidos em 19 de fevereiro de 2024 em: https://humaniki.wmcloud.org/search
- Wagner, Claudia; Graells-Garrido, Eduardo; Garcia, David; Menczer, Filippo (dezembro de 2016). «Women through the glass ceiling: gender asymmetries in Wikipedia». EPJ Data Science (em inglês) (1): 1–24. ISSN 2193-1127. doi:10.1140/epjds/s13688-016-0066-4. Consultado em 24 de fevereiro de 2024
- Smith, Hilda L. (julho de 2007). «Women Intellectuals and Intellectual History: their paradigmatic separation». Women’s History Review (em inglês) (3): 353–368. ISSN 0961-2025. doi:10.1080/09612020601022246. Consultado em 24 de fevereiro de 2024
- Bonelli, Maria da Gloria (25 de outubro de 2021). «Profissionalismo, generificação e racialização na docência do Direito no Brasil». Revista Direito GV (17-2): e2126. ISSN 2317-6172. doi:10.1590/2317-6172202126. Consultado em 24 de fevereiro de 2024
- Farias, Juliana Barreto (23 de novembro de 2022). «Nize Isabel de Moraes: Memórias de uma historiadora da Senegâmbia». Estudos Históricos (35-77): 495-527. ISSN 2178-1494. doi:10.1590/S2178-149420220309. Consultado em 22 de maio de 2024
- «Pesar e homenagem: Professora Marcia D’Alessio»