Concurso de Edição Mais Diversidade em Teoria da História na Wiki

Gênero e sexualidade são categorias importantes na organização político-social, histórica e cultural das sociedades. Atuando como sistemas que regulam comportamentos, identidades e relações, esses conceitos também influenciam profundamente a produção de conhecimento. A partir de uma perspectiva crítica, compreende-se que corposdesejos e afetos não apenas sofrem os efeitos das estruturas normativas, mas também participam ativamente da construção e transformação dos saberes, evidenciando que todo conhecimento é produzido a partir de contextos situados e atravessados por relações de poder.

Um levantamento realizado por Ronald Canabarro em sua tese, cujos resultados são apresentados e atualizados no site História Transviada, identificou que apenas 0,78% das Teses e Dissertações defendidas em Programas de Pós-Graduação de História no Brasil, entre 1942 e 2022, trataram de temas relacionados a gêneros e sexualidades dissidentes — isto é, aquelas que desafiam a heteronormatividade e/ou a cisnormatividade.[1] O dado revela não apenas a marginalização das temáticas no campo historiográfico, mas apontam para os limites estruturais e epistemológicos que condicionam a visibilidade de certos corpos, experiências e formas de existências na produção acadêmica brasileira, especialmente na área de história.

Assim como Eve Kosofsky Sedgwick e Judith Butler apontaram, a heteronormatividade estrutura não apenas relações sociais, mas também a produção do conhecimento histórico[2][3]Joan Scott reforça essa ideia ao demonstrar como o gênero opera como uma categoria histórica — não neutra — que exclui dissidências.[4] Na mesma linha, projetos como Whose Knowledge? e o Wikimedia LGBT+ evidenciam que ecossistemas digitais, como a Wikipédia, também reproduzem essas exclusões quando não enfrentam as assimetrias de gênero e sexualidade em sua base de editores. Segundo uma pesquisa feita pela Wikimedia Foundation, apenas 12% de pessoas da comunidade LGBT editaram um artigo na Wikipédia. Ainda, foi notado que as lacunas de representação sobre gênero e sexualidade não é uma exclusividade dos projetos wikimedia, mas um problema que se estende à mídia brasileira em geral. Isso revela a possibilidade dos projetos wiki serem um espaço de inclusão.[5]

Apesar da crescente difusão destas importantes ideias, a Teoria da História ainda apresenta dificuldades em incorporar a reflexão sobre sexualidade e conhecimento. A dualidade corpo e mente continua a estruturar a compreensão sobre a produção do conhecimento, como se fossem substâncias distintas. O acúmulo de reflexões sobre a corporeidade na produção de conhecimento histórico é recente e busca inserir-se como um tópico central na teoria da história. “Estaria a história saindo do armário?”, já se perguntaram os estudiosos da área Elias Ferreira Veras e Joana Maria Pedro.[6]

A ideia de posicionalidade tem ganhado destaque nos debates atuais sobre como produzimos conhecimento. Mariana Barbosa de Souza nos lembra que o saber histórico nunca surge de um lugar neutro ou distante — ele é profundamente marcado por quem somos, onde estamos e no que acreditamos.[7] Nossa existência, nossos corpos e nossos posicionamentos políticos influenciam a maneira como interpretamos e escrevemos a história.

Considerar a sexualidade e o sexo/gênero como elementos fundamentais na produção do conhecimento implica reconhecer a complexidade dos fatores que influenciam essa atividade. Tal abordagem busca compreender as interações entre os sujeitos que produzem conhecimento histórico e os resultados de suas investigações, enfatizando não apenas os fatos em si, mas também as dimensões éticasontológicas e epistemológicas envolvidas nesse processo.

É considerando estas inquietações que a edição de 2025 do Mais Diversidade em Teoria da História na Wiki será realizada. Neste ano, prestamos uma homenagem especial a três pessoas cuja trajetória ecoa os desafios e as insurgências que marcam a luta por reconhecimento na história: uma mulher transexual e duas mulheres cisgênero lésbicas – Márcia Maia MendonçaCassandra Rios e María Lugones. A escolha não é casual: ao evidenciar diferentes formas de ser mulher e dar destaque às experiências lésbicas, o evento também se inscreve nas celebrações do mês da Visibilidade Lésbica, que marca datas fundamentais como o 19 de agosto — Dia Nacional do Orgulho Lésbico — e o 29 de agosto — Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Reconhecer essas trajetórias é reafirmar que o conhecimento se faz também a partir das potências dissidentes e dos corpos que rompem as margens da norma, escrevendo novas possibilidades de existência e memória.

Ao tentar reunir mais informações sobre vozes dissidentes e sujeitos insurgentes na escrita da história e para além dela, o WikiConcurso Mais Diversidade se alinha aos princípios do enciclopedismo, criando uma oportunidade para que tais lacunas no conhecimento possam ser reduzidas. Se, como lembra Eve Sedgwick, o armário é uma metáfora do silêncio estrutural, será que podemos, nessa força tarefa, quebrar esse armário e contemplar a história fora dele?[8]

Coordenação Executiva

Ronald Canabarro é doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas. É fundador do projeto de história pública História Transviada que tem como objetivo reunir e dar visibilidade a trabalhos na área da história sobre os temas LGBTQIAPN+.

Anita Lucchesi é historiadora e pesquisadora na Casa de Oswaldo Cruz, onde coordena podcasts de divulgação científica. Doutora em História, atua com história digital e pública, é co-investigadora do software Tropy e docente colaboradora na área de Educação na Universidade Federal de Sergipe. É sócia-fundadora da Arka.la, especializado em pesquisa e desenvolvimento para instituições de memória e coleções particulares.

Assistência

 

Ana Carla é assistente de Recursos Wiki no Projeto Mais Teoria da História na Wiki e doutoranda em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá.

Vicente Detoni é assistente de Recursos Wiki no Projeto Mais Teoria da História na Wiki e doutorando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Suporte

Ana Carla Ribeiro, do Projeto Mais+, oferecerá suporte contínuo para todas as pessoas participantes durante o período do concurso, auxiliando com eventuais dificuldades na edição dos projetos Wikimedia. Ela estará disponível para videochamadas, proporcionando assessoria individual às pessoas participantes toda sexta-feira, até dia 05 de setembro, das 16h às 17h (BRT). Além disso, o suporte será oferecido de forma assíncrona por meio do grupo de diálogo do concurso no WhatsApp.

Para ter acesso ao link da videochamada e ao grupo de diálogo no WhatsApp, basta se inscrever no formulário de inscrição.

Além do suporte direto, as pessoas participantes também podem recorrer aos tutoriais em vídeo sobre a edição nos projetos Wikimedia, que servem como guias práticos para resolver dúvidas durante o concurso. Esses tutoriais estão organizados em playlists no YouTube, reunindo vídeos do Projeto Mais+ e de outros membros do movimento Wikimedia. As playlists, divididas por projeto Wikimedia, estão disponíveis nos links abaixo:

Premiação

Quem vai ser premiado?

A construção de um mundo em que o conhecimento seja verificável, de qualidade, livre e de fácil acesso é o combustível que move este Projeto. No intuito de reconhecer o empenho e a dedicação das pessoas participantes deste evento em melhorar a cobertura dos assuntos em foco na Wikipédia, no Wikimedia Commons e no Wikidata, as três pessoas participantes com o maior número de pontos em cada categoria e em cada projeto receberão uma caixa temática exclusiva com mimos pensados com muito carinho pela organização do evento. Sabemos, contudo, que o melhor agradecimento virá do sentimento de ter feito algo para mudar a desigualdade e a desinformação atuais.

Para tornar o evento mais equitativo, criamos três categorias que separam as pessoas interessadas de acordo com a sua experiência nos projetos Wikimedia. Essa classificação está baseada nos tipos de usuários existentes na Wikipédia lusófona e tomou como parâmetros: o tempo, a frequência na comunidade e o número de contribuições no domínio principal. Caso você se enquadre em mais de uma categoria, deve considerar aquela de maior nível de experiência.

Mudança na premiação para participantes de fora do Brasil

Nós sabemos o quanto é emocionante participar de um concurso e esperar pela premiação, e queremos que todas as pessoas se sintam valorizadas por suas contribuições. No entanto, para garantir que os prêmios sejam entregues, tivemos que ajustar um detalhe importante em relação às premiações para residentes de fora do Brasil.

Devido a questões relacionadas à alfândega, custos de envio internacional e devoluções de pacotes, as caixas temáticas foram substituídas por vouchers. Quem ganhar poderá escolher a loja onde o voucher será utilizado, e nós faremos a compra.

Sabemos que as caixas temáticas são cheias de carinho e representam algo especial, mas essa decisão foi pensada para garantir que todas as pessoas ganhadoras tenham acesso às suas premiações sem complicação. Agradecemos pela compreensão e pelo entusiasmo de sempre!

Se você tiver qualquer dúvida ou sugestão, sinta-se à vontade para entrar em contato com nossa equipe. Estamos aqui para fazer desse concurso uma experiência incrível! 🌟

Referências

 

  1. Canabarro, Ronald (2024-05-20). – Historiatransviada.com – dar a ver uma historiografia pública digital (Thesis). Fundação Getúlio Vargas. Retrieved 2025-03-17.
  2. Sedgwick, Eve Kosofsky (2007-01-01). “A epistemologia do armário”. cadernos pagu 28: 19–54.
  3. Butler, Judith (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira.
  4.  Scott, Joan (1995). “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade 20: 71–99.
  5. Wikimedia Foundation Communications (2022-10-26). “DEI Research Brazil” (PDF). Retrieved 2025-05-28.
  6. Veras, Elias Ferreira; Pedro, Joana Maria (2014-09-01). “Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade das homossexualidades no Brasil”. Tempo e argumento 6 (13): 90–109. doi:10.5965/2175180306132014090.
  7. Souza, Mariana Barbosa de (2022-12-20). A mapeadora de ausências: metapesquisa da produção histórica sobre a população LGBTQIAPN+ no Brasil (1987-2018) (Thesis). Universidade Estadual de Ponta Grossa. Retrieved 2025-04-07.
  8. Sedgwick, Eve Kosofsky (2007-01-01). “A epistemologia do armário”. cadernos pagu 28: 19–54.